Como animais que somos, nós humanos precisamos de algumas poucas coisas para nos manter como uma espécie. Precisamos de comida – porque somos onívoros, há bastante escolha. Precisamos de água limpa para beber. Precisamos de abrigo contra as intempéries. E precisamos nos reproduzir. Fora isso, não há muito mais que seja necessário.
Mas uma análise rápida da cultura humana mostra o quanto fomos além das necessidades básicas para criar um mundo extremamente complexo – e, na opinião de alguns, complicado demais. A Internet, o telefone, os aviões, trens e carros, nossas casas, nossas roupas, nossas dietas, nossos brinquedos – tudo isso vai muito além das necessidades básicas. Nós humanos tendemos a ir além.
É o caso da curiosidade. Esta aparentemente instintiva necessidade de obter informações das quais não precisamos é supérflua – e nos casos mais extremos, perigosa. Pense, por exemplo, em estar de frente para uma caverna escura. É a curiosidade que leva alguém a ver o que há nela – que pode ser uma furiosa fêmea de urso com sua ninhada. Vista de maneira simplificada, a curiosidade vai contra a teoria da evolução: os mais curiosos entre nós devem ter morrido antes de ter a chance de se reproduzir, levados pela seleção natural. Nós não precisamos realmente fazer palavras cruzadas, ou descobrir o que há naquela caverna escura. Mesmo assim, temos um impulso quase incontrolável de fazer isso. Como diz George Lowenstein, pesquisador especializado em curiosidade, tente desligar a TV nos minutos finais de uma partida muito disputada.
Sabemos há muito tempo que somos curiosos por natureza, e para a maioria isso é algo apreciado. No Ocidente, a Idade Média representou uma das poucas vezes na história em que a curiosidade foi desprezada, considerada um vício por influência de Santo Agostinho, que em suas “Confissões” a caracterizou como uma distração que impede o autoconhecimento [fonte:Pihas].
Esta estranha motivação de explorar nosso mundo, indo além do que precisamos para sobreviver, levou-nos à Lua, ampliou nossa maestria em curar nosso organismo e nos deu melhor compreensão sobre nossos próprios genes. Só que ao mesmo tempo não compreendemos totalmente o meio que nos permitiu tais conquistas. A curiosidade permanece um mistério para nós mesmos.
Teorias psicológicas sobre a curiosidade: interna ou vinda de fora?
Até agora a origem exata da curiosidade intriga a ciência, mas psicólogos têm conseguido classificar alguns aspectos da curiosidade. Só que não fica respondida a dúvida maior: a curiosidade vem de dentro de nós ou é uma resposta ao mundo exterior?
Um campo da psicologia acredita que a curiosidade é um impulso interno, originado em nós mesmos, como a sede ou a fome. Esta teoria do impulso vê a curiosidade como uma necessidade que ocorre naturalmente e que precisa ser satisfeita de modo bem semelhante a como saciamos a fome - ao comer. Quando nossa curiosidade se manifesta nos voltamos a velhos ou novos interesses como forma de satisfazer essa necessidade.
A teoria do impulso ajuda a explicar o comportamento de busca da curiosidade. Ela mostra por que nós ativamente vamos atrás de e nos envolvemos em fazer palavras cruzadas ou tocar um instrumento. Essas atividades não são apenas supérfluas – elas também trazem o risco de falhar. Só que elas fazem muito mais sentido se vistas como alimento para nossa curiosidade.
O que a teoria do impulso não explica é o funcionamento da curiosidade em relação a um objeto específico. É aqui que entra a teoria da incongruência. Essa teoria se baseia na ideia de que a curiosidade surge quando nos deparamos com algo que não bate com nosso entendimento do mundo.
Tendemos a pensar no universo como algo previsível e ordenado; pela teoria da incongruência, quando esta ordem é desafiada nossa curiosidade é despertada. Imagine que enquanto você lê este texto um lápis se mova sozinho uns 5 centímetros. Isso não se encaixa em nossa visão do mundo. Lápis não se mexem sozinhos. Você acha que conseguiria não tentar descobrir por que o lápis saiu do lugar?
Nesse caso nossa curiosidade foi atiçada por um evento externo, e fomos levados a tentar entendê-lo, o que sustenta a teoria da incongruência.
Mas a teoria do impulso e a teoria da incongruência não explicam totalmente a curiosidade. Cada uma tem limitações ao explicar um aspecto ou outro, o que mantém a curiosidade como um mistério. Isso não significa que não tenhamos a algumas conclusões sobre ela. A discussão sobre a curiosidade ter origem dentro de nós ou ser uma reação ao que encontramos na vida pouco tem a ver com a forma como o fenômeno é classificado.
Mas a teoria do impulso e a teoria da incongruência não explicam totalmente a curiosidade. Cada uma tem limitações ao explicar um aspecto ou outro, o que mantém a curiosidade como um mistério. Isso não significa que não tenhamos a algumas conclusões sobre ela. A discussão sobre a curiosidade ter origem dentro de nós ou ser uma reação ao que encontramos na vida pouco tem a ver com a forma como o fenômeno é classificado.
Curiosidade inata versus curiosidade adquirida
O conceito de que a curiosidade seja originada dentro de nós ou fora de nós levou a duas classificações de tipos de curiosidade: adquirida e inata. Esses dois termos descrevem o modo pelo qual os humanos adotam (ou não adotam) um comportamento de curiosidade. Lembra do lápis que se movia sozinho?
O surto de curiosidade que faria pensar na curiosidade como reação é conhecido como curiosidade adquirida. Geralmente se baseia numa situação externa e pode ir de algo tão trivial como imaginar por que um caminhão está fazendo entregas às 2 da manhã numa loja até coisas tão esotéricas como, durante um funeral, pensar na vida após a morte.
O surto de curiosidade que faria pensar na curiosidade como reação é conhecido como curiosidade adquirida. Geralmente se baseia numa situação externa e pode ir de algo tão trivial como imaginar por que um caminhão está fazendo entregas às 2 da manhã numa loja até coisas tão esotéricas como, durante um funeral, pensar na vida após a morte.
Se todos os humanos forem curiosos por natureza, então a curiosidade adquirida parece ser o melhor jeito de descrever esse nosso aspecto. A curiosidade adquirida tende a ser ligada a altos níveis de recompensa, tais como a excitação. [fonte: Kashdan e Roberts].
O conceito de curiosidade intrínseca é conhecido como curiosidade inata. Ela se refere à característica de algumas pessoas de manter por toda a vida interesse em aprender, apenas em nome do próprio aprendizado. O estudo da curiosidade inata mostrou que ela se liga a todos os tipos de comportamento, desde experimentar drogas ou provocar intencionalmente incêndios até atividades intelectuais refinadas e completa falta de medo. No geral ela é uma característica positiva.
Apesar de estudos sobre a curiosidade inata apresentarem com frequência resultados contraditórios em relação a outros estudos, é possível pensar na curiosidade inata como característica latente em todas as pessoas, mas exibida com evidência em apenas algumas. Na visão de uma moderna escola de psicologia, a curiosidade inata é sufocada nas pessoas que não a mostram devido a medo e ansiedade. De fato, corremos o risco de falhar quando tentamos aprender coisas novas – podemos não tocar bem um novo instrumento musical; podemos não conseguir resolver uma palavra cruzada; podemos nos dar mal numa tentativa de mergulho. É possível perceber a curiosidade como o impulso que nos tira de nossas zonas de conforto, e o medo como o agente que nos mantém dentro de nossos limites [fonte:Jacobs].
Apesar de estudos sobre a curiosidade inata apresentarem com frequência resultados contraditórios em relação a outros estudos, é possível pensar na curiosidade inata como característica latente em todas as pessoas, mas exibida com evidência em apenas algumas. Na visão de uma moderna escola de psicologia, a curiosidade inata é sufocada nas pessoas que não a mostram devido a medo e ansiedade. De fato, corremos o risco de falhar quando tentamos aprender coisas novas – podemos não tocar bem um novo instrumento musical; podemos não conseguir resolver uma palavra cruzada; podemos nos dar mal numa tentativa de mergulho. É possível perceber a curiosidade como o impulso que nos tira de nossas zonas de conforto, e o medo como o agente que nos mantém dentro de nossos limites [fonte:Jacobs].
Psicólogos classificam a curiosidade inata com base na variação de interesses buscados. Amplitude de curiosidade é o tipo em que a pessoa se interessa por um grande espectro de tópicos. Profundidade de curiosidade é o nível de interesse em um só tema, que pode ser qualquer coisa – dinossauros, uma língua estrangeira, antropologia, astronomia. Qualquer interesse profundo num assunto específico tende a se encaixar como curiosidade inata em profundidade.
Isso revela outra grande questão em relação à curiosidade: o que ganhamos com ela?
As recompensas pela curiosidade
Uma das implicações subjacentes da curiosidade é que dela precisa derivar alguma coisa. Quando crianças, ganhamos uma compreensão do nosso mundo (e aquele conjunto de expectativas previsíveis que podem ser quebradas quando um lápis se move sozinho) ao interagir constantemente com ele. Aprendemos coisas como: fogo aceso = quente; pote de água do cachorro = molhado; piso de casa = duro. Mas que recompensa real há em aprender um bocado sobre outros planetas se isso não tem nenhuma relação com o trabalho da pessoa? Qual a razão de aprender um idioma se a pessoa não planeja viajar para um lugar em que ele seja falado?
Para os teóricos do impulso, a resposta é que nossa mente persegue a distração. Essa ideia é lastreada por estudos de privação sensorial feitos nas décadas de 1950 e 1960. Pesquisas mostram que pessoas sensorialmente limitadas, mantidas em lugares sem luz nem som por longos períodos buscam qualquer tipo de informação. Um estudo sobre os efeitos da lavagem cerebral mostra que na ausência de qualquer outro estímulo as pessoas pedem para receber qualquer informação mais árida, como a leitura repetidas vezes de um velho relatório sobre cotações de ações. [fonte:Lowenstein].
Para os teóricos do impulso, a resposta é que nossa mente persegue a distração. Essa ideia é lastreada por estudos de privação sensorial feitos nas décadas de 1950 e 1960. Pesquisas mostram que pessoas sensorialmente limitadas, mantidas em lugares sem luz nem som por longos períodos buscam qualquer tipo de informação. Um estudo sobre os efeitos da lavagem cerebral mostra que na ausência de qualquer outro estímulo as pessoas pedem para receber qualquer informação mais árida, como a leitura repetidas vezes de um velho relatório sobre cotações de ações. [fonte:Lowenstein].
Além de espantar o tédio, há mais recompensas propiciadas pela curiosidade. Psicólogos cognitivos afirmam que parte de nossa personalidade se forma graças a informações e atitudes adquiridas por sermos curiosos. Na visão deles, a curiosidade é como um veículos que as pessoas usam para se expandir. Parece também que pessoas curiosas são atraídas por outras pessoas similarmente curiosas. Estudo feito em 2004 mostra que níveis elevados de curiosidade inata tendem a prever quão próximos os participantes se sentiam uns dos outros. Níveis compartilhados de curiosidade inata predominam até em relação ao efeito da recompensa positiva (ter uma atitude no geral positiva em relação à vida) como fator. Isso significa que a curiosidade pode servir como forma de desenvolver relações interpessoais, possivelmente graças à falta, associada à curiosidade, do medo de falhar (nesse caso, rejeição social).
Por outro lado, falta de curiosidade tem sido ligada a emoções negativas. Pesquisas mostram que participantes temporariamente deprimidos demonstram falta de curiosidade adquirida [fonte: Rodrigues, et al]. O mesmo se aplica a estudos com portadores de Alzheimer. Pesquisa feita em 1992 mostra que pessoas com Alzheimer demoram menos tempo examinando novas imagens que pessoas sem a doença [fonte: Daffner, et al].
As descobertas sobre a relação entre humor e curiosidade levam a outra questão: a curiosidade tem origem biológica?
Biologia e curiosidade
Apesar de até agora não ter conseguido explicar completamente a existência da curiosidade, a psicologia ajudou muito a entendê-la. A correlação negativa entre curiosidade e medo serviu de guia para outra disciplina científica – a genética.
Em 2007, pesquisadores do Instituto Max Planck descobriram o que batizaram de “gene da curiosidade” num pássaro, o chapim-real (Parus major). Esse gene, Drd4, é responsável por criar receptores para a dopamina, um neurotransmissor. Pássaros com a mesma variação nesse gene demonstraram maior propensão a ir para novas áreas e a explorar objetos com que não estavam familiarizados colocados em suas gaiolas [fonte: Instituto Max Planck].
Há muito tempo se sabe que animais apresentam sinais de curiosidade – por exemplo, ratos que exploram novas áreas de um labirinto sem expectativa de conseguir comida ou alguma outra recompensa, e primatas que aprendem a abrir a janela de suas jaulas só para ver o que acontece fora delas no laboratório. Embora esse comportamento talvez não bata com o da curiosidade inata humana, é relevante o fato do “gene da curiosidade” identificado no chapim-real ser ligado à dopamina.
No cérebro humano, nossa curiosidade é tratada de forma muito semelhante a outras atividades prazerosas, tais como comer. Quando buscamos ativamente novas informações através da nossa curiosidade somos recompensados com uma torrente de dopamina, indutora de prazer.
Além do sistema de recompensas, outras áreas do cérebro têm papel na curiosidade. Parece que regiões dedicadas à memória no córtex pré-frontal nos permitem diferenciar estímulos novos e previamente experimentados. Afinal, como teríamos algo que não curiosidade caso não conseguíssemos reconhecer coisas que já tivéssemos encontrado? Aparentemente o centro mais responsável por nosso senso de curiosidade é uma parte do hipocampo cerebral chamada dentate gyrus.
Em 2009, pesquisadores descobriram que o aumento da presença de uma proteína que interage com a dopamina no dentate gyrus provoca aumento significativo no comportamento curioso em animais [fonte: PhysOrg]. De novo a dopamina parece ter papel relevante na curiosidade.
Ainda é um mistério a forma como esse papel é desempenhado, assim como outros aspectos da curiosidade. Porque a curiosidade é considerada a força motora da curiosidade científica, é quase certo que ela vá um dia levar pesquisadores a entendê-la totalmente.
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