quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A verdade por trás dos primeiros passos da humanidade

Refazendo a Escalada do Homem

Quase 150 anos após Charles Darwin ter divulgado sua teoria da evolução, muitos conceitos equivocados sobre nossas origens ainda permanecem.

A primeira edição de Sobre a Origem das Espécies não faz menção explícita à evolução humana. O naturalista britânico Charles Darwin, que publicou o livro em 1859, afirma apenas que “será lançada luz sobre a origem do homem e sua história”. O tenso jovem cientista preferiu induzir os leitores a tirarem suas próprias conclusões. E foi o que eles fizeram.

Ao ouvir a teoria, diz-se que a esposa do bispo de Worcester teria exclamado: “Querido, esperemos que isso não seja verdade, mas, se for, vamos rezar para que não seja do conhecimento de todos.” No entanto, condenada nos púlpitos das igrejas de toda a Grã-Bretanha e debatida em artigos e charges de jornal, a teoria rapidamente ganhou notoriedade. Na mente popular, reduziu-se ao seguinte simplismo: “o homem descende dos macacos”, um conceito impreciso que ainda é o corrente nos nossos dias. Após tanto escândalo e controvérsia, Darwin deve ter concluído que deveria ir mais fundo na questão em edições posteriores, pois promoveu uma relevante alteração na passagem já citada: “será lançada muita luz sobre a origem do homem...”
Ao contrário do que a opinião pública concluiu a partir da frase “o homemveio dos macacos”, o homem não descende de chimpanzés ou gorilas. Em algum lugar do passado, partilhamos com tais símios um ancestral comum. Embora não pareça, esse detalhe é crucial para entender a evolução do homem e para marcar nossa posição na natureza. Ao olhar para chimpanzés e gorilas, não encaramos nossos ancestrais, mas primos modernos.
Esse equívoco é reforçado há muito pela “Escalada do Homem”, ilustração exibida em livros e enciclopédias em que a suposta seqüência de ancestrais do homem moderno é exibida como uma fila indiana de primatas, sugerindo um único estágio evolucionário dos símios ao homem – uma conexão direta que simplesmente não existe. A maioria dos cientistas redesenharia hoje a ilustração para exibir a grande diversidade de espécies, das quais apenas uma é a ancestral comum de humanos e grandes símios modernos. A partir de um pequeno grupo, um processo de adaptação levou até nós, os hominídeos. De outro desses grupos vieram os grandes macacos. 
Mesmo com essa ressalva, talvez seja melhor abandonar aquela ilustração, pois ela dá margem a outro erro de interpretação. A progressão exibida pela “Escalada” sugere um bebê humano aprendendo primeiro a engatinhar, e em seguida a andar. Mostra um Homo sapiens, ou homem moderno, ereto sobre os dois pés, destacando-se nobremente da postura curvada de um tosco primata ancestral. Análises mais precisas de fósseis e o novo campo do DNA, porém, alteraram tal visão de forma inexorável.
Nossos ancestrais não eram bem assim...
A progressão gradual da postura quadrúpede para bípede, como exibida abaixo, está quase com certeza errada. Nossos ancestrais estavam aptos a andar eretos bem antes do que se supunha quando a primeira ilustração da série “Escalada do Homem” foi publicada. De fato, como os chimpanzés de hoje, nossos ancestrais primatas provavelmente já podiam se erguer sobre duas pernas sempre que lhes conviesse.
Não há evidência de uma criatura que andasse “curvada para a frente”, numa postura entre quadrúpede e bípede, como ilustram a segunda, terceira e quarta figuras da fila. Outro erro comum em muitos dos primeiros diagramas era incluir os neandertais como parte da linhagem. Eles não eram nossos ancestrais, pois descendemos diretamente de um tipo de Homo erectus, assim como eles.

De pé para vencer

O apoio sobre os nós dos dedos é a característica do andar quadrúpede de chimpanzés e gorilas. Embora vivam principalmente no solo, costumam também escalar árvores. Conforme se balançam nas copas, seus pés e mãos envolvem os galhos, com o polegar separado para agarrar. Aparentemente essa forma especializada de andar se desenvolveu em algumas espécies de primatas, enquanto outras experienciaram o bipedalismo. Há diversas vantagens na postura bípede. Simulações em computador mostraram que em velocidades baixas os primatas deslocam-se de modo muito mais eficiente sobre dois pés do que como quadrúpedes. Ou seja, conseguem cobrir distâncias maiores gastando menos energia.
A capacidade de cobrir mais terreno durante o dia deve ter fornecido o apoio adaptativo crucial para os grupos isolados de primatas dos quais evoluímos. Andar sobre os dois pés libera as mãos para transportar comida, e parece provável que a competição intensa por alimentos da floresta levou à necessidade de que a comida coletada fosse trazida do terreno aberto para a segurança da floresta. Isso explica a adaptação, mas as pesquisas prosseguem no sentido de determinar que ambientes os australopitecíneos preferiam.
Outra teoria que ganha apoio analisa como as criaturas enfrentavam osol africano quando deixavam as árvores para coletar alimentos na savana. Numa postura ereta, o corpo absorve muito menos radiação solar do que sobre quatro membros, de modo que a posição bípede pode ter capacitado essas criaturas a permanecer mais tempo expostas ao sol.

O que de fato aconteceu

Os ancestrais comuns aos grandes macacos e ao homem moderno surgiram por volta de 35 milhões de anos atrás, quando a Terra era realmente o “planeta dos macacos”. Dúzias de espécies de primatas - monos, grandes símios e lêmures - habitavam as florestas da África durante o Mioceno. Mas em algum tempo entre 10 e 5 milhões de anos atrás a temperatura caiu e as florestas começaram a dar lugar às savanas.
O hábitat dos grandes primatas diminuía, e o que restou das florestas foi ocupado pelos ancestrais dos macacos modernos, de reprodução mais rápida, que parecem ter sido mais adaptáveis ao ambiente arborícola, superando as espécies mais pesadas e lentas. Expulsos da floresta, muitos dos antropóides ancestrais sumiram. Os que sobreviveram adaptaram-se aos poucos ao novo ambiente. E a natureza dessas mudanças está registrada nos fósseis. Um crânio descoberto recentemente no Chade trouxe-nos uma noção da fisionomia de nossos ancestrais pré-históricos. Toumaï, que significa “esperança de vida” na língua local, teve a idade estimada em 7 milhões de anos.
Mesmo o mais fragmentário dos achados fósseis pode fornecer aos paleontologistas grandes indícios sobre como nossos ancestrais viviam e, principalmente, se deslocavam. 
A posição da articulação entre o crânio e a espinha dorsal, por exemplo, pode mostrar a postura que a criatura adotava. Se a articulação estiver na parte posterior do crânio, a criatura se deslocava sobre os quatro membros e erguia a cabeça para enxergar à frente. Se for na parte anterior do crânio, sua cabeça ficava no alto de um torso vertical - e ela andava apenas sobre dois pés.

Voltando no tempo
Toumaï foi classificado como bípede, o que significa que nossos ancestrais já andavam numa postura ereta há 7 milhões de anos, bem mais cedo do que se pensava. Mas ele mostrou que o desenvolvimento dos ossos da perna de determinados australopitecíneos requereu longo tempo, pois são muito diferentes dos outros grandes primatas. Parece que o bipedalismo não funcionou para todas as espécies que o adotaram. O meio foi decisivo no uso de duas pernas.
A “Escalada do Homem” está errada - nós não nos apoiamos sobre quatro membros e em seguida ficamos de pé, mas adotamos a adaptação que nos separou dos grandes macacos, talvez a mais importante na longa história do desenvolvimento humano - independente do que a esposa do bispo de Worcester pudesse achar.

Charles Darwin foi ridicularizado em caricaturas e acusado de blasfemo pelo clero vitoriano. Mas um de seus defensores, Thomas Huxley, afirmou que preferiria ter um “símio coitado” como ancestral a um bispo que usa seu cérebro “com o mero propósito de introduzir o ridículo numa discussão científica séria.” 

...eles eram assim

Nos montes Tugen, no Quênia, fósseis classificados como Orrorin tugenensis mudaram a “Escalada do Homem”. Eles têm cerca de 6 milhões de anos, época em que os ancestrais humanos divergiram do ramo dos grandes símios.

Os ossos (à direita) apresentam uma mescla de traços de grandes símios e hominídeos. Os ossos dos braços são alongados e as articulações dos ombros ofereciam mobilidade para se pendurar e balançar nas árvores, enquanto os fêmures têm traços de bipedalismo. Um deles tem um sulco distinto que é idêntico ao criado nos fêmures humanos por um tendão que flexiona a articulação pélvica. O esforço neste tendão é causado pelo andar bípede. Marcas nos ossos revelam a posição e a extensão da musculatura corporal. Os músculos também sugerem que os primeiros hominídeos ainda mantinham força na parte superior do corpo para escalar árvores. Seus dedos suportavam o peso corporal enquanto balançavam-se de um galho a outro. 
Em esqueletos posteriores, a bacia e os ossos da perna são característicos do bipedalismo simples, o que significa que tais criaturas teriam de sustentar o peso do corpo alternadamente sobre um lado e sobre outro, oscilando a pélvis. A postura ao caminhar seria totalmente ereta.

Caminhando no tempo

A descoberta de uma trilha de pegadas antiqüíssimas em 1979 causou sensação. Elas foram deixadas numa camada de cinzas vulcânicas na Tanzânia, tendo sido depois fixadas pela chuva e fossilizadas por 3,6 milhões de anos. Esses rastros provam que em tempos tão remotos o bipedalismo já havia sido adotado: o dedo maior do pé já não se opunha aos demais como nos grandes símios de hoje; a transferência do peso ao longo da planta dos pés era suave e balanceada. Os grandes macacos podem andar sobre dois pés, mas deixam pegadas características porque seus corpos oscilam e os pés rolam lateralmente a cada passada. Nossos ancestrais primitivos caminhavam assim. As pegadas produzidas por humanos modernos são diferentes, pois o peso corporal se distribui pelo arco do pé e depois pelos artelhos.

O primeiro casal

Os pés que fizeram os rastros de Laetoli eram mais de humanos que de símios. A proximidade das duas séries sugere que se tratava de um macho e uma fêmea andando lado a lado, na mesma cadência. Um modelo em escala mostrou que isso seria possível (à direita). Alguns crêem que um terceiro conjunto seria de uma criança, que teria pisado por brincadeira sobre as pegadas já feitas.

O crânio fragmentado de Toumaï, nosso ancestral de 7 milhões de anos, tem uma face achatada, uma alta saliência superciliar e o volumecerebral de um chimpanzé. Mas ele andava ereto sobre dois pés, diferentemente dos grandes macacos de hoje.

Árvore genealógica

Apesar de os humanos não descenderem dos grandes macacos modernos, todos compartilhamos um ancestral comum. Modernos estudos de DNA mostram que nossa linhagem se separou da deles entre 6 e 8 milhões de anos atrás. 

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