quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Biografia de Malcolm X

Malcolm X foi um popular e polêmico líder do movimento negro nos Estados Unidos, mas vários aspectos de sua vida e de sua luta política continuam nebulosos. Até mesmo o seu assassinato ainda é envolto em mistério e ninguém descobriu quem de fato o tramou. Essas dúvidas e a suspeita de que muito do que se conhece sobre Malcolm X é fruto daquilo que os órgãos de segurança quiseram que fosse divulgado levou a Universidade de Columbia, de Nova York, a criar um projeto ("The Malcolm X Project at Columbia University") para estudar a vida e a importância do ativista.

Além da capacidade de discursar em público, Malcolm X tinha uma personalidade carismática
Foto: © Estate of Malcolm X
Além do talento para discursar, Malcolm X tinha muito carisma
Filho de um pastor que foi provavelmente assassinado por brancos racistas, Malcolm X tornou-se muçulmano enquanto cumpria pena por roubo na prisão e, durante boa parte de sua militância, pregou a segregação entre negros e brancos e atitudes radicais e violentas, incluindo a luta armada contra a população branca nos Estados Unidos. Suas propostas se opunham ao movimento pacífico e integracionista de Martin Luther King Jr., o mais importante líder na luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos nos anos 1960.

Malcolm X conviveu com o racismo e a violência dos brancos contra os negros desde a infância, o que fez sua família fugir de cidade em cidade e, mesmo assim, não evitou que seu pai acabasse morto e sua mãe internada por conta de um colapso mental. No final da adolescência, ele aderiu à vida criminosa o que lhe rendeu uma pena de dez anos de prisão. Foi nesse período que conheceu a Nação do Islã, uma organização de negros muçulmanos que propunha que brancos e negros vivessem em países separados e associava o racismo ao Cristianismo. Ao sair da cadeia, com um discurso agressivo e uma personalidade carismática ele tornou-se rapidamente um dos expoentes da organização e em pouco tempo virou seu porta-voz. 

Mas quando resolveu peregrinar para Meca, na Arábia Saudita, para realmente tornar-se um muçulmano, ele viu de perto que o Islamismo não pregava a separação entre brancos e negros, pelo contrário. De volta aos Estados Unidos resolveu desmascarar o discurso racista e segregacionista da Nação do Islã e adotou as ideias da esquerda internacional pregando que o socialismo era a verdadeira saída para a opressão e a pobreza da população negra na América. Muitos atribuem o seu assassinato, durante um discurso no Harlem, a um plano da Nação do Islã para eliminá-lo, e apesar de um dos assassinos ser membro da organização as investigações não produziram nenhuma evidência que mostre o envolvimento da Nação do Islã com o caso. 

Na próxima página, saiba como foi a infância de Malcolm X e seu ingresso na Nação do Islã.

Black Power e Panteras Negras

O discurso político de Malcolm X, que bradava o orgulho de ser negro e não descartava o uso da violência na luta pelos direitos civis da população negra, inspirou o movimento Black Power e abriu o caminho para o surgimento do Partido dos Panteras Negras. O Black Power foi um movimento filosófico que defendeu o orgulho racial de ser negro e incentivou a população negra a obter controle das instituições que afetavam o seu cotidiano. A frase "black power" (poder negro) foi usada pela primeira vez em 1966 por Stokely Carmichael, líder do Comitê Estudantil pela Não-Violência (SNCC, na sigla em inglês). O "black power" era exercido de diferentes maneiras, como em atos de desobediência civil, no estabelecimento de negócios com proprietários negros, na pressão sobre escolas e universidades para implantarem programas de estudos da cultura negra e apoiando políticos negros nas eleições. Um dos filhotes do Black Power foi o Partido dos Panteras Negras para Auto-Defesa, uma agremiação política revolucionária fundada em 1966 por Huey Newton e Bobby Seale. A proposta original do partido era a formação de milícias de negros nos guetos das grandes cidades para proteger a população da violência policial. Seu projeto político marxista propunha armar toda a população negra na América e libertar todos os prisioneiros negros e exigia o pagamento de uma indenização para compensar os séculos de exploração de todos os negros pelos brancos. Os Panteras Negras envolveram-se em vários conflitos com a polícia e foram acusados de vários ataques violentos na Califórnia, Nova York e Chicago.

Malcolm X: da infância ao ingresso na Nação do Islã

Malcolm X
Foto: © Estate of Malcolm X
Malcolm X nasceu como Malcolm Little em 19 de maio de 1925 na cidade de Omaha, no Nebraska (EUA). Seu pai, Earl Little, era pastor da Igreja Batista e tinha sido um entusiasta seguidor do ativista negro Marcus Garvey, fundador da Associação Universal para o Progresso Negro. Malcolm era o quarto de oito filhos. Ainda quando era bebê, sua família teve que se mudar às pressas para Wiscosin após a casa onde morava ter sido incendiada por uma organização racista chamada Legião Negra, provavelmente em represália aos sermões que o pai de Malcolm dava na igreja defendendo os direitos civis da população negra.

Após três anos em Wiscosin, eles seguiram para uma fazenda em Michigan, rodeada por uma vizinhança branca e racista que exigia que eles fossem para uma região onde só morassem negros. Earl decidiu ficar e mais uma vez a casa dos Little foi incendiada. O pai de Malcolm não desistiu, mas acabou morto em setembro de 1931. Seu corpo foi encontrado mutilado numa estrada de ferro onde teria sido atropelado por uma composição. A polícia considerou suicídio, mas é mais provável que ele tenha sido vítima de um crime racial.

Malcolm tinha seis anos de idade quando perdeu o pai, e sua mãe, Louise Little, teve imensas dificuldades para evitar que os filhos passassem fome, muitas vezes tendo que cozinhar plantas e ervas que catava nas ruas para servir de alimento para eles. Após sete anos tentando manter os filhos, ela não aguentou e teve um colapso mental. Internada numa instituição psiquiátrica, ela permaneceu lá durante 26 anos. Malcolm e seus irmãos foram encaminhados a lares adotivos e centros juvenis mantidos pelo Estado. Quando cursava a oitava série, um dos seus professores disse a ele que era melhor Malcolm aprender o ofício de carpinteiro do que tentar ser um advogado. Foi a deixa para o já adolescente rebelde se mandar para a casa de uma irmã mais velha em Boston.    

Após passar um tempo vivendo de pequenos trabalhos, ele conseguiu um emprego no trem que ligava Boston a Nova York. No tempo que passava em Nova York começou a frequentar o bairro do Harlem e a conviver com os criminosos locais. Logo, Malcolm tornou-se conhecido tanto nas ruas de Roxbury, bairro onde sua irmã morava em Boston, como nas do Harlem, ao mostrar seu jeito durão e liderar gangues de ladrões e traficantes de drogas. Por usar um alisante que tornava seu cabelo vermelho, ele ficou conhecido como "Red"

Em janeiro de 1946, Malcolm acabou preso acusado de assaltos a residências em Boston. Ele foi condenado a dez anos de prisão. Foi nesse período que ele começou a se tornar Malcolm X. Um de seus irmãos, que também estava cumprindo pena na mesma penitenciária, havia aderido à organização Nação do Islã, um movimento que combinava elementos doIslamismo com ideias do nacionalismo negro, e que era liderado por Elijah Muhammad. Ele convenceu Malcolm a seguir seus passos, e o jovem parou de fumar, apostar e comer carne de porco, entre outros mandamentos preconizados pela organização. Suas horas de ócio na prisão foram preenchidas por leituras na biblioteca num processo autodidata que desenvolveu seus conhecimentos e sua capacidade para debater. Seguindo o costume da Nação do Islã, ele também trocou seu sobrenome - segundo a organização, os nomes de família que os negros tinham na América eram originários dos brancos que os escravizaram. No lugar de "Little", Malcolm adotou o "X".   

Quando saiu da prisão em agosto de 1952, Malcolm X era um jovem debatedor tão talentoso e carismático que se tornou ministro assistente do Templo da Nação do Islã em Detroit. Dois anos depois ele já era ministro do Templo no Harlem, em Nova York. Mas àquela altura ele era mais do que um ministro num templo, ele tinha se tornado o porta-voz da Nação do Islã nos Estados Unidos e viajava constantemente pelo país atraindo milhares de novos adeptos para a organização. Em dez anos como uma das mais importantes vozes da Nação do Islã ele fez o movimento saltar de cinco centenas de membros para mais de 30 mil. Na próxima página, saiba o que Malcolm X pregava e o que aconteceu quando ele conheceu o verdadeiro Islamismo em Meca.

Discurso raivoso

No começo dos anos 60, as tensões raciais cresceram nos Estados Unidos, e Malcolm X inflamou seu discurso na mesma proporção. Em 1962, a polícia invadiu um Templo da Nação do Islã em Los Angeles, o que resultou na morte de um dos ativistas, e em seis feridos, sendo que um deles ficou paralítico. Malcolm X reagiu com fúria e convocou protestos da comunidade negra que resultaram em conflitos com policiais, prisões e feridos. Para ele, alguém que agredisse um negro merecia ser mandado para o cemitério. Esse tipo de discurso chamou a atenção do FBI, que infiltrou agentes na Nação do Islã. Alheio ou não à vigilância dos órgãos de segurança, o fato é que, do púlpito de seu Templo no Harlem, ele continuou a pregar usando um discurso raivoso contra a população branca. Para ele, havia uma ligação entre a cor da pele negra e o Islamismo, assim como havia uma entre a cor branca e o Cristianismo, o que tornava o homem branco seu inimigo racial e religioso. Um grave engano que ele só entenderia durante sua peregrinação a Meca alguns anos depois.

Malcolm X: do discurso segregacionista ao anti-imperialista

Malcolm X ajudou a fundar vários templos da Nação do Islã em Nova York, Boston e na Filafélfia, além de criar um jornal da organização que ele imprimia no porão de sua casa. Ele também impôs uma cota de venda dos exemplares do jornal a todos os membros homens da organização para angariar fundos e participou da elaboração da doutrina racial da organização, que resumidamente associava o mal a todos os brancos e defendia a superioridade natural dos negros. 
A doutrina racial de Malcolm X era oposta à do pastor Martin Luther King Jr.
Foto: © Estate of Malcolm X
A doutrina racial de Malcolm X
era oposta à do pastor Martin Luther King Jr.

O Templo no Harlem era um dos mais importantes da Nação do Islã. Quando o assumiu, Malcolm X assumiu também o segundo posto na hierarquia e o de representante nacional da organização. A capacidade de discursar em público, uma personalidade carismática e muita determinação fizeram das aparições de Malcolm X eventos que simbolizavam toda a raiva, amargura e frustração dos negros norte-americanos em relação à sociedade racista em que viviam. Ele pregava a mesma mensagem nas ruas do Harlem ou nas grande universidades, como Harvard e Oxford.

Sua doutrina racial que via nos brancos a encarnação do mal o colocava em posição oposta ao do pastor Martin Luther King Jr., o mais importante líder negro do Movimento dos Direitos Civis nos anos 60 e que pregava a integração racial, a desobediência civil e a não-violência. Malcolm X acreditava que era preciso usar todos os meios necessários para obter a integridade e independência da população negra. Em 1963, quase no topo da hierarquia da Nação do Islã e desfrutando de uma enorme popularidade entre os negros, suas desavenças não eram somente com Martin Luther King Jr., mas também com o líder de sua organização, Eiljah Muhammad. Além de exigir uma atuação mais incisiva da Nação do Islã nos protestos pelos direitos civis - discordando politicamente da opinião de Elijah -, ele também ficou profundamente desapontado com o líder quando descobriu que ele tinha violado os códigos morais da organização e tivera seis filhos com suas secretárias, sendo que algumas delas o processaram e tornaram público o escândalo. 
Em suas jornadas a Meca, Malcolm X percebeu que o Islã era para todas as cores de pele
Foto: © Estate of Malcolm X
Em suas jornadas a Meca, Malcolm X descobriu o verdadeiro Islamismo
Para piorar a situação, logo após o assassinato do presidente John F. Kennedy, Malcom deu uma desastrada declaração de que a morte dele era reflexo de uma violenta sociedade sofrendo as consequências da própria violência, algo como "aqui se faz, aqui se paga". Por conta disso, a antipatia com a organização cresceu e Elijah impôs um período de silêncio de três meses a Malcolm, desautorizando-o publicamente. Ele deixou a organização em março de 1964 e fundou uma nova, a Muslim Mosque. No mesmo ano, partiu para sua peregrinação a Meca, para cumprir com sua obrigação como muçulmano. Essa viagem resultaria em mudanças significativas em sua forma de ver o problema racial.

Em suas jornadas a Meca, Malcolm X percebeu que o Islã era para todas as cores de pele. Ele viu negros, mulatos e brancos lado a lado orando para o mesmo Deus e defendendo os mesmos princípios. Malcolm se deu conta de que o segregacionismo entre brancos e negros defendido por ele e pela Nação do Islã era uma farsa e contrariava a mensagem original de Maomé. Convertido ao Islamismo tradicional - ele optou por ser sunita - Malcolm X completou sua jornada mudando seu nome para El-Hajj Malik El-Shabazz. 

Sem abandonar a crença de que era no Islamismo ortodoxo que residia a solução do problema racial em seu país, ele fundou em 1965 a Organização de Unidade Afro-Americana, uma instituição desvinculada da questão religiosa para promover a defesa dos direitos humanos. Ele também se aproximou do ideário político da esquerda internacional com um discurso anticapitalista e anticolonialista. Reconhecendo que a raiva que ele sentia pelos brancos comprometia sua visão do problema, ele adotou uma nova postura política, que defendia dar poder às comunidades negras por meio do voto, da educação, da auto-suficiência econômica e do desenvolvimento da independência política. A aproximação com as ideias da esquerda política incluíram encontros com Fidel Castro e Che Guevara, um discurso anti-imperialista e críticas ao envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã.  

No fim de 1964, Malcolm X e sua família sofreram várias ameaças e em fevereiro de 1965 sua casa no Queens, em Nova York, sofreu um atentado. Uma semana depois, no domingo 21 de fevereiro de 1965, durante seu discurso no Audubon Ballroom, Malcolm X foi assassinado na frente de uma multidão e de sua esposa Betty Shabazz, que estava grávida, e de três de seus quatro filhos. Alguns - como revelou o editorial do "The New York Times" - viram no assassinato dele a morte de um demagogo, outros - como o presidente de Gana - a perda de um importante líder na luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos.

Em 1966, a polícia de Nova York prendeu três homens ligados à Nação do Islã e os acusou pelo assassinato de Malcolm X. Dois foram inocentados, e o único condenado, Talmadge Hayer, disse que o crime foi premeditado, e o planejamento foi feito por ele junto com outros quatro muçulmanos que ele não conhecia.