sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Como funciona a capa da invisibilidade

Se você é fã do Harry Potter, já deve estar bem familiarizado com o conceito da capa da invisibilidade. Em seu primeiro ano na Escola Hogwarts de Magia e Bruxaria, Harry recebe a capa da invisibilidade que foi de seu pai. Como o nome sugere, a capa da invisibilidade deixa Harry invisível quando ele veste o tecido brilhante e prateado.
Isto parece plausível quando lemos uma história que se passa em um mundo fictício repleto de bruxas, magos e magia; mas no mundo real tal vestimenta seria impossível, não é? Nem tanto. Com a tecnologia de camuflagem ótica desenvolvida por cientistas da Universidade de Tóquio, a capa da invisibilidade já é uma realidade.

Foto: cortesia do Laboratório Tachi, Universidade de Tóquio
A tecnologia de camuflagem ótica desenvolvida na Universidade de Tóquio

Ver (ou não ver) para crer

Protótipo
Cientistas europeus criaram uma espécie de manto tridimensional capaz de esconder objetos por meio da emissão de ondas de luz.
A camuflagem ótica proporciona uma experiência parecida com a da capa da invisibilidade do Harry Potter, mas usá-la requer um arranjo um pouco mais complicado. Primeiro, a pessoa que deseja ficar invisível (vamos chamá-la de Pessoa A) veste uma roupa que parece uma capa de chuva com capuz. A roupa é feita de um material especial que examinaremos em detalhes mais adiante. Em seguida, um observador (Pessoa B) fica em frente à Pessoa A em um local específico. A partir deste local, ao invés de ver a Pessoa A vestida com uma capa de chuva, a Pessoa B vê através da capa, fazendo a Pessoa A parecer invisível. A foto abaixo à direita mostra o que a Pessoa B veria. Se a Pessoa B estivesse posicionada em um local um pouquinho diferente, simplesmente veria a Pessoa A usando uma capa de chuva prateada (foto abaixo à esquerda).

Foto: cortesia do Laboratório Tachi, Universidade de Tóquio
Ainda assim, apesar das suas limitações, é uma tecnologia bacana e já existe há algum tempo.

Realidade alterada

A camuflagem ótica não funciona por magia e sim através da realidade aumentada - um tipo de tecnologia que foi desenvolvida nos anos 60 por Ivan Sutherland e seus alunos das universidades de Harvard e Utah. Você pode ler mais sobre realidade aumentada em Como funcionará a realidade aumentada, mas uma recapitulação será útil.
Os sistemas de realidade aumentada adicionam informações geradas por computador às percepções sensoriais do usuário. Imagine, por exemplo, que você está andando por uma rua da cidade. Conforme você olha à sua volta, informações adicionais aparecem para enriquecer sua visão normal. Pode ser o cardápio do dia de um restaurante, os horários dos espetáculos em um teatro, ou a tabela de horários dos ônibus em um ponto de ônibus. O que é fundamental entender aqui é que realidade aumentada não é a mesma coisa que realidade virtual. Enquanto a realidade virtual tem por objetivo substituir o mundo, a realidade aumentada tenta suplementá-lo com conteúdo adicional útil.

A realidade aumentada mostra gráficos gerados por computador sobrepostos ao mundo real
A maioria dos sistemas de realidade aumentada requer que os usuários olhem através de um aparato especial para enxergar uma cena do mundo real realçada com gráficos sintetizados. Também requerem um computador de alta performance. A camuflagem ótica também requer estas coisas, além de vários outros componentes. Os itens necessários para fazer uma pessoa parecer invisível são:
  • roupa feita de material altamente refletivo
  • câmera de vídeo
  • computador
  • projetor
  • espelho especial semi-prateado chamado de combinador
Vamos ver cada um destes componentes em detalhes.

A capa

A capa que faz com que a camuflagem ótica funcione é feita de um material especial conhecido como retro-refletivo.

Foto: cortesia do Laboratório Tachi, Universidade de Tóquio
Capa da invisibilidade
O material retro-refletivo é coberto por milhares e milhares de bolinhas (pequeninas contas). Quando a luz bate em uma delas, os raios de luz rebatem e voltam exatamente para a mesma direção de onde vieram.
Para entender a singularidade deste processo, basta ver como a luz reflete em outros tipos de superfície. Uma superfície áspera cria um reflexo difuso porque os raios de luz incidentes (que chegam) dispersam-se em várias direções diferentes. Uma superfície totalmente lisa, como a de um espelho, cria o que chamamos de reflexo especular - um reflexo em que os raios de luz incidentes e os raios de luz refletidos formam exatamente o mesmo ângulo com a superfície do espelho. Na retro-reflexão, as bolinhas de vidro agem como prismas, dobrando os raios de luz através de um processo conhecido como refração. Isto faz com que os raios de luz refletidos viajem de volta pelo mesmo caminho que os raios de luz incidentes. O resultado: um observador posicionado na origem da luz recebe mais luz refletida e, portanto, vê um reflexo mais brilhante.
Materiais retro-refletivos são muito comuns. Placas de trânsito, marcadores nas estradas (olhos-de-gato) e refletores de bicicleta usam a retro-reflexão para tornarem-se mais visíveis para as pessoas que dirigem à noite. As telas da maioria das salas de cinema hoje também aproveitam este material porque ele fornece mais brilho em ambientes de pouca luz. Na camuflagem ótica, o uso de material retro-refletivo é fundamental porque ele pode ser visto de longe e em ambientes externos sob o sol, dois requisitos para a ilusão da invisibilidade.

A câmera de vídeo e o computador

Câmera de vídeo

Foto: cortesia do Laboratório Tachi, Universidade de Tóquio
A roupa retro-refletiva não faz a pessoa ficar invisível - na verdade é totalmente opaca. O que a roupa faz é criar a ilusão de invisibilidade ao funcionar como uma tela de cinema, sobre a qual uma imagem de fundo é projetada. A captura da imagem de fundo requer uma câmera de vídeo, que fica atrás da pessoa que usa a capa. O vídeo da câmera deve estar em formato digital para que possa ser enviado para o computador processar.
ComputadorTodos os sistemas de realidade aumentada se baseiam em computadores de alta performance para sintetizar gráficos e então sobrepô-los à imagem do mundo real. Para que a camuflagem ótica funcione, a dupla hardware/software precisa pegar a imagem capturada da câmera de vídeo, calcular a perspectiva apropriada para simular a realidade e transformar a imagem capturada na imagem que será projetada no material retro-refletivo.

O projetor e o combinador

O projetor

Foto: cortesia do Laboratório Tachi, Universidade de Tóquio
A imagem modificada produzida pelo computador deve ser reproduzida na capa, que funciona como uma tela de cinema. Um projetor desempenha esta tarefa ao soltar um feixe de luz por uma abertura controlada por um dispositivo chamado diafragma íris. O diafragma íris é feito de placas finas e opacas, e ao girar um anel mudamos o diâmetro da abertura central. Para a camuflagem ótica funcionar, a abertura deve ser do tamanho de um furo feito com um alfinete. Por quê? Isto assegura que uma profundidade de campo maior para que a tela (neste caso a capa) possa estar localizada a qualquer distância do projetor.
O combinador
O sistema requer um espelho especial tanto para refletir a imagem projetada em direção à capa como para deixar os raios de luz que bateram na capa voltarem para o olho do usuário. Esse espelho especial é chamado de divisor de feixe, ou combinador - um espelho semi-prateado que tanto reflete luz (a metade prateada) quanto transmite luz (a metade transparente). Se for posicionado em frente ao olho do usuário, o combinador permite que o usuário perceba tanto a imagem realçada pelo computador quanto a luz do ambiente à sua volta. Isto é fundamental, pois a imagem gerada por computador e a cena do mundo real devem estar plenamente integradas para a ilusão da invisibilidade parecer realista. O usuário tem que olhar através deste espelho para ver a realidade aumentada.

O sistema completo

Agora vamos juntar todos estes componentes para vermos como a capa da invisibilidade faz uma pessoa ficar transparente. O diagrama abaixo mostra a montagem de todos os dispositivos e equipamentos.
Assim que a pessoa coloca a capa feita de material retro-refletivo, acontece a seguinte seqüência de eventos:
  1. Uma câmera de vídeo digital captura a cena que está atrás da pessoa com a capa.
  2. O computador processa a imagem capturada e faz os cálculos necessários para ajustar a imagem congelada ou o vídeo para que pareçam realistas quando projetados.
  3. O projetor recebe a imagem realçada do computador e transmite a imagem através de uma abertura do tamanho de um furo feito com alfinete para o combinador.
  4. A metade prateada do espelho, que é completamente refletiva, joga a imagem projetada na direção da pessoa com a capa.
  5. A capa funciona como uma tela de cinema, refletindo a luz diretamente de volta para a origem, que neste caso é o espelho.
  6. Os raios de luz refletidos pela capa atravessam a parte transparente do espelho e chegam aos olhos do usuário. Lembre-se que os raios de luz refletidos pela capa contêm a imagem da cena que está atrás da pessoa que veste a capa.
A pessoa com a capa parece invisível porque a cena de fundo está sendo exibida sobre o material retro-refletivo. Ao mesmo tempo, os raios de luz do ambiente em volta do usuário chegam aos seus olhos, fazendo parecer que uma pessoa invisível existe em um mundo aparentemente normal.

Vídeo-capacetes

Mas é claro que fazer o observador ficar atrás de um combinador parado não é lá muito prático - nenhum sistema de realidade aumentada seria muito útil se o usuário tivesse que ficar em um ponto fixo. É por isto que a maioria dos sistemas requer que o usuário carregue o computador consigo em uma mochila ou preso à cintura. É também por esta razão que a maioria dos sistemas usa o vídeo-capacete, ou HMD (do inglês head-mounted display), que reúne o combinador e a parte ótica em um dispositivo que pode ser ajustado sobre o corpo.
Há dois tipos de HMDs: displays transparentes óticos e displays transparentes de vídeo. Os displays transparentes óticos parecem óculos hi-tech, como os óculos que o Ciclope (em inglês) usa nos quadrinhos e nos filmes dos X-Men. Estes óculos fornecem um display e a parte ótica para cada olho, então o usuário vê a realidade aumentada em estéreo. Osdisplays transparentes de vídeo, por outro lado, usam tecnologia de mixagem de vídeo para combinar a imagem de uma câmera presa à cabeça do usuário com gráficos gerados por computador.

Foto: cortesia do Laboratório de Computação Gráfica e Interfaces de Usuário da Universidade de Columbia
Display transparente de vídeo
Nesta montagem, o vídeo do mundo real é misturado com gráficos sintetizados e então exibido em um display de cristal líquido. A grande vantagem deste sistema é que objetos virtuais podem obscurecer totalmente objetos do mundo real e vice-versa.
Os cientistas que desenvolveram a tecnologia da camuflagem ótica estão atualmente aperfeiçoando uma variação do display transparente de vídeo que reúne todos os componentes necessários para fazer a capa da invisibilidade funcionar.

Foto: cortesia do Laboratório Tachi, Universidade de Tóquio
Protótipo de capacete-projetor
Eles chamam seu aparato de capacete-projetor (HMP, do inglês head-mounted projector) porque a unidade de projeção é parte integrante do capacete. Dois projetores, um para cada olho, são necessários para produzir um efeito estereoscópico.

Aplicações no mundo real

Apesar de ser uma aplicação interessante da camuflagem ótica, a capa da invisibilidade é provavelmente a menos útil. Existem práticas mais úteis para a aplicação desta tecnologia:
  • os pilotos ao pousar um avião poderiam usar esta tecnologia para fazer o chão da cabine ficar transparente. Assim, para ver a pista e o trem de pouso bastaria olhar para baixo;
  • os médicos ao fazer uma cirurgia poderiam usar a camuflagem ótica para verem através das mãos e dos instrumentos os tecidos do paciente;
  • fornecer uma visão do lado de fora de ambientes sem janelas é uma das aplicações mais extravagantes para esta tecnologia, mas que pode melhorar o bem-estar psicológico das pessoas em tais ambientes;
  • motoristas dando ré em seus carros poderiam tirar vantagem da camuflagem ótica. Uma olhada rápida para trás através da traseira transparente de seu carro ajudaria o motorista a saber quando parar.
Uma das aplicações mais promissoras desta tecnologia, no entanto, tem menos a ver com tornar objetos invisíveis e mais a ver com torná-los visíveis. O conceito é chamado de tele-existência mútua: trabalhar e perceber o ambiente com a sensação de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Funciona assim:
  • o usuário real A está em um local enquanto seu robô de tele-existência A está em outro lugar com o usuário real B;
  • o usuário real B está em um local enquanto seu robô de tele-existência B está em outro lugar com o usuário real A;
  • os dois robôs de tele-existência são cobertos por material retro-refletivo para que funcionem como telas;
  • com câmeras de vídeo e projetores em cada local, as imagens dos dois usuários reais são projetadas sobre seus respectivos robôs em locais remotos;
  • isto dá a cada usuário real a percepção de estar trabalhando com outro ser humano ao invés de um robô.
No momento, a tele-existência mútua é ficção científica, mas não será por muito tempo desde que os cientistas continuem expandindo as fronteiras da tecnologia. Por exemplo, jogos pervasivos já estão se tornando realidade. Os jogos pervasivos estendem as experiências do jogo para o mundo real, seja nas ruas da cidade ou em selvas remotas. Jogadores com displays móveis circulam pelo ambiente enquanto sensores capturam informação do ambiente, inclusive a sua localização. Esta informação é usada para permitir aos usuários uma experiência de jogo que muda conforme o lugar onde eles estejam e o que estejam fazendo.
Para mais informações sobre a capa da invisibilidade, camuflagem ótica e tópicos relacionados, confira os links na próxima página.

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